Investigação na Abin tem indícios contra suspeitos e lacunas
As decisões do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, sobre a atuação da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no governo Jair Bolsonaro (PL) trazem até o momento indícios de irregularidades, mas ainda deixam lacunas sobre como se deu na prática a atividade da “Abin paralela”. Com base em três determinações judiciais do ministro, no inquérito conduzido pela Polícia Federal (PF), percebe-se que, após a primeira fase, a investigação ampliou o foco: antes era o uso ilegal do FirstMile e passou a mirar relatórios e informações produzidos supostamente a pedido, que a PF batizou de “núcleo político”, cujo único nome apontado até agora é o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos/RJ).
Como as decisões de Moraes incluem apenas trechos dos pedidos da PF, outros elementos de prova e indícios podem estar nos apensos e nas representações do delegado do caso, ainda mantidos em sigilo. A investigação envolve a compra e o uso do software FirstMile, que fornecia, segundo a PF, dados de localização de pessoas de forma ilegal, sem autorização judicial; a elaboração de supostos relatórios de inteligência contra adversários políticos de Bolsonaro por parte de servidores da Abin; o uso da Agência para fins pessoais da família do ex-presidente da República; e a suposta tentativa da atual cúpula da Agência de atrapalhar as investigações.
O FirstMile utiliza uma
brecha no protocolo internacional das telecomunicações, chamado de
SS7 (Sistema de Sinalização nº 7), que atua quando uma pessoa liga
para o celular de outra e as redes precisam saber em qual antena o
interlocutor está. Ele é instantâneo e a conexão entre os dois
aparelhos é estabelecida quando uma informa à outra a localização
com base na antena mais próxima.
Empresas de inteligência usam
uma brecha e criam empresas de telecomunicação de fachada para
pedir às operadoras reais a localização de celulares. Assim, quem
compra a ferramenta pode incluir o telefone de qualquer pessoa na
plataforma e fazer o monitoramento.
A PF afirma que ele invade a
rede de telefonia e cita como indício uma troca de e-mail entre
representantes da empresa vendedora do software e um servidor da
Abin. Em janeiro de 2020, a funcionária da Cognyte afirma que estava
“pesquisando e testando novos métodos para acessar” à rede da
Tim porque havia sido barrada pela operadora.
Além disso, a PF,
segundo mostra a decisão, afirmou que a análise preliminar do banco
de dados do programa indicou a existência de 60.734 pesquisas, com
retorno com a geolocalização em 21.309 buscas. O diretor-geral da
Polícia Federal, Andrei Rodrigues, afirmou em entrevista que 30 mil
pessoas foram alvo do software. A Abin teria utilizado a ferramenta
de fevereiro de 2019 a abril de 2021.
A PF diz que dois
servidores demitidos estavam respondendo a processo disciplinar por
terem participado ilegalmente de licitação e ameaçavam denunciar o
uso do FirstMile se isso acontecesse. De acordo com o inquérito,
Alexandre Ramagem, então chefe da Abin, agiu para livrar os
servidores da punição e, assim, evitar a divulgação da
ferramenta.
Na primeira decisão de Moraes, há trecho em que a
PF indica o “núcleo de pesquisas” na Abin. São 12
servidores identificados até outubro de 2023 como os responsáveis
por executar a inclusão dos números na ferramenta.
Não há
detalhes, no entanto, de quem seria o responsável por cada pedido e
se os oficiais da Abin sabiam de irregularidades. A Polícia Federal
indica indiretamente Ramagem como solicitante em um caso, mas não
mostra como chegou a essa conclusão. A PF também fala de policiais
federais que estavam em um setor chamado Centro de Inteligência
Nacional (CIN), mas não é possível saber o motivo
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