terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

 Fala sobre minuta golpista pesa contra Bolsonaro

A fala do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) sobre a minuta golpista durante ato na Avenida Paulista, em São Paulo, no domingo (25) pesa contra o político, mas as autoridades podem optar ou não por chamá-lo para novo depoimento, afirmam especialistas. Na manifestação, Bolsonaro reconheceu a existência da minuta, mas negou que tenha havido tentativa de golpe de Estado depois da eleição do presidente Lula (PT).


Antes da manifestação desse fim de semana, a estratégia de defesa do ex-presidente era negar que o político soubesse da existência do documento. Para a Polícia Federal (PF), as declarações de Bolsonaro reforçam a linha de investigação de que a trama golpista realmente ocorreu. Depois da repercussão, Paulo Cunha Bueno, advogado de Bolsonaro, afirmou, nessa segunda-feira (26), que o ex-presidente fazia referência a um texto recebido em 2023, após a saída dele do governo.


“[A] declaração do presidente foi em cima da minuta que ele só teve conhecimento em outubro de 2023. Não reforça em nada a investigação, porque foi a primeira minuta que ele viu. Não tinha visto antes”, disse Bueno.

Além de citar a minuta, Bolsonaro defendeu não ter havido tentativa de golpe porque isso requer “tanque na rua”, “arma”, “conspiração”. O discurso de que não haveria tentativa de ataque à democracia pela inexistência de violência foi replicado por outros apoiadores na data da manifestação, como o pastor Silas Malafaia, que foi o mais crítico contra o Supremo Tribunal Federal (STF). “O que é golpe? É tanque na rua, é arma, conspiração. É trazer classes políticas para o seu lado, empresariais. É isso que é golpe. Nada disso foi feito no Brasil. Agora o golpe é porque tem minuta de decreto de estado de defesa. Golpe usando a Constituição? Tenham a santa paciência”, afirmou Bolsonaro no domingo.

Especialistas ouvidos pela reportagem argumentam que a fala de Bolsonaro sobre a minuta foi a mais delicada ocorrida na manifestação. O evento foi acompanhado com atenção pelo histórico de ataques à democracia dos atos bolsonaristas e pela investigação sobre eventual participação em tentativa golpista pelo ex-presidente.

Henderson Fürst, professor de Direito Constitucional da PUC/Campinas, afirma que a fala poderia ensejar convocação das autoridades para a elucidação sobre o que o político quis dizer, porque Bolsonaro ficou calado quando intimado para falar na PF, na última quinta-feira (22), sobre a possível trama golpista. “A fala dele não nega a minuta. Ele valida a minuta dizendo que ela não era um ato golpista porque respeitava, inclusive, a própria Constituição”, diz Fürst.

Segundo Diego Nunes, professor de história do Direito Penal da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a convocação pode ser feita pelas autoridades caso elas achem necessário, mas pode também haver a dispensa de novo depoimento e juntada da fala como prova. Para Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional da PUC/SP, a declaração de Bolsonaro pode pesar nas investigações atuais e o político deveria ser convocado para prestar novos esclarecimentos. “Bolsonaro manifestou livremente, numa praça pública, quase a confissão do cometimento de um ilícito. Ele forneceu um forte indício para a polícia de que realmente participou de uma atividade golpista.”

Para Marina Coelho Araújo, professora de Direito Penal do Insper, uma nova solicitação de depoimento a Bolsonaro não é necessária, porque o político já disse que permaneceria calado. “Autoridades têm que fazer uma análise das provas coletadas, do que já foi quebrado de sigilo e do que existe de elementos, e não esperar qual vai ser a explicação dele sobre a questão.”

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