terça-feira, 19 de dezembro de 2023

 

Rota das emendas no Ceará: enquanto prefeituras recebem recursos milionários, outras ficam no zero

Diário do Nordeste publica série de reportagens que segue os caminhos dos recursos enviados por parlamentares cearenses aos municípios do Estado e revela como as decisões políticas afetam a distribuição do recurso público

Uma das principais fontes de recursos dos municípios brasileiros, as emendas individuais impositivas dos parlamentares são também um dos fortes instrumentos eleitorais dos deputados e senadores. O método de distribuição de recursos, contudo, acaba criando desequilíbrios na divisão do orçamento.

A constatação fica clara com o mapeamento dos municípios que mais receberam recursos, aqueles que têm a verba “travada” e, principalmente, as gestões que sequer tem recurso previsto. 

No Ceará, enquanto municípios de grande e médio porte, com representação no Legislativo Federal, recebem recursos milionários, pequenos municípios, que dependem dessas verbas para funcionar, recebem valores menores ou às vezes nem recebem.

Esse diagnóstico é resultado de um cruzamento de informações disponíveis na Câmara dos Deputados e no Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE). Eles tomam como base os pleitos eleitorais e o envio de emendas individuais impositivas dos deputados federais cearenses até o último dia 30 de novembro. Indicadas no ano passado, os recursos foram pagos ao longo deste ano. 

Essa reportagem integra a série “Rota das Emendas”, que segue os caminhos dos recursos enviados por parlamentares cearenses aos municípios do Estado e revela como as decisões políticas afetam a distribuição do recurso público. Para este ano, os deputados federais puderam decidir o destino de até R$ 32,1 milhões, já os senadores tiveram à disposição R$ 59 milhões.

NO TOPO

Capital do Estado, Fortaleza recebeu R$ 49,5 milhões em emendas destinadas individualmente por parlamentares ao longo deste ano, mas o valor empenhado é ainda maior, podendo chegar a R$ 53 milhões. Praticamente todo o recurso foi destinado ao Fundo Municipal de Saúde, para custear o atendimento à população na Capital.

O empenho refere-se ao montante em recursos reservado para uma determinada ação pública, já a liquidação ocorre quando constata-se que o serviço foi realizado e, por fim, o pagamento é quando o recurso é efetivamente repassado. Para esta reportagem, o Diário do Nordeste tomou como base os valores de despesas pagas.

MUNICÍPIOS PRIVILEGIADOS

Logo depois de Fortaleza na lista de mais beneficiados aparece Tauá. A cidade é berço de uns dos principais grupos políticos no Estado: a Família Aguiar. Em Brasília, o grupo tem como representante o deputado federal Domingos Neto (PSD), filho do ex-vice-governador Domingos Filho (PSD) e da prefeita de Tauá, Patrícia Aguiar (PSD).

Para a Prefeitura comandada pela mãe, Domingos Neto enviou mais de R$ 14 milhões em emendas. Além dele, o correligionário Célio Studart (PSD) também enviou R$ 6 milhões. Do total, R$ 13 milhões foram destinados à Saúde e R$ 7,6 milhões sob gerência da Prefeitura para investimentos em outras áreas. 

R$ 32,1 MILHÕES

foi o valor em emendas individuais que os deputados puderam distribuir

Todos os recursos inicialmente previstos para a cidade já foram pagos. Apesar de constar como orçamento impositivo, em muitos municípios os recursos podem ficar “travados” por pendências entre a prefeitura e a União ou mesmo pela falta de cobrança dos deputados.

Também na lista de municípios que mais receberam recursos está Ipu. A cidade foi beneficiada com R$ 17 milhões em emendas já pagas, sendo R$ 9,8 milhões para investimentos da Prefeitura e R$ 7,4 milhões para a Saúde.

R$ 59 MILHÕES

foi o valor em emendas individuais que os senadores puderam distribuir

Outro município com forte influência em Brasília é Parambu, que recebeu R$ 17,2 milhões. Toda a verba teve como origem as emendas do ex-deputado federal Genecias Noronha (PL), que indicou R$ 11,3 milhões para a Prefeitura e R$ 5,8 para a Saúde. O atual prefeito de Parambu, Rômulo Noronha, é sobrinho de Genecias.

O político, que não disputou a reeleição depois de ter sido cassado, manteve a vaga no Congresso Nacional para a família ao conseguir eleger seu filho, Matheus Noronha (PL), como deputado federal no ano passado. 

MUITA PROMESSA E POUCO RECURSO

Na outra ponta da lista estão municípios que tiveram recursos empenhados, mas até agora nem R$ 1 foi pago. É o caso de Uruburetama, Milagres, Granjeiro, Choró e Capistrano. Somados, foram empenhados cerca de R$ 3 milhões para essas prefeituras neste ano, mas até agora nada foi efetivamente pago ou mesmo liquidado.

No Estado, o montante de recursos que os prefeitos aguardam chega a R$ 169 milhões. Ao todo, para 2023, foi empenhado em emendas individuais de deputados cearenses o valor de R$ 817 milhões e, até agora, foram pagos R$ 648 milhões.

Em visita ao Ceará para receber o título de cidadão, o ministro das Relações Institucionais do Governo Lula (PT), Alexandre Padilha (PT) prometeu o que até o fim do ano o Executivo irá destravar o repasse de emendas para os municípios. 

De acordo com o político, mais de 80% das emendas empenhadas já foram pagas. “As transferências especiais, que o parlamentar coloca direto no FPM, no ano passado foram de R$ 3,5 bilhões, (o Governo anterior) executou metade, deu um calote de R$ 1,7 bi. Nós já pagamos todo esse pacote e vamos chegar ao final do ano com execução de emendas de transferências especiais. São R$ 7,6 bilhões, já pagamos 75% delas e já começamos a pagar os 25% que restavam, até 31 de dezembro vão estar lá”, concluiu.

Em meio a essa incerteza sobre os repasses de recursos, o mandatário reclama da dificuldade de gerir um município. “Neste ano sofremos muito porque houve uma demora no pagamento de emendas de custeio da saúde. E hoje as emendas de custeio, elas nos dão um alívio financeiro nas contas municipais. A partir do momento que eu não tenho emendas para comprar medicamento, para pagar médico, veículos, a gente vai ter que aportar recurso do tesouro municipal, recurso esse que já é bem limitado, recursos do FPM e do ICMS”, aponta. 

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